terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Lucidez

Você me indagava sobre entrelinhas e eu respondia, do meu jeito torto e inseguro, que elas representam tudo o que é sentido e, por não fazerem sentido, impossíveis de serem  expressas com meras palavras, por mais bem arranjadas, por mais adequadas. Falávamos das nossas fugas de nós mesmos, e, quando tudo parecia ainda mais nebuloso, voltávamos ao início da jornada, a um tal recomeço: porque o caminho é dentro, lembra? Não há setas indicando avisos. Há apenas escolhas. E nós escolhemos ser ostras. Na nossa reclusão, tentamos construir algo magnífico, talvez mais precioso que uma pérola, pois sentimento não é adorno. 

É impressão minha ou parece mais frio por aqui? É verdade, o vento que chega anuncia a chuva que está por vir. E como gostamos dos pingos de chuva batendo insistentemente na nossa janela. Para que possamos vê - la, nos convida a sair. Rejeitamos o convite. Na verdade, meu bem, nós fomos feitos para sentir. 


(Embora haja a embriaguez...na minha ressaca, agradeço pela lucidez).

Para a minha amada Amanda.

Sobre o que me inspira

O que eu queria te contar é que, depois de uma semana de calor intenso e desconforto, a chuva decidiu transbordar há pouco, quando tirei meus sapatos de salto, enchi meu copo com álcool, e resolvi, descalça e nua, seguir uma nova trajetória. Coloquei a cadeira do lado contrário, afastei as minhas pernas, muito mal comportada, bem sei. De toda e qualquer amarra quero distância.  Para elas estou fechada. Não há jeito certo de seguir. Há jeitos. Tortos, confusos, estranhos. Jeitos. Há escolhas. E a escolha que eu faço, reiterada e diariamente, é sentir.

E depois de deixar a água da chuva escorrer pelos meus cabelos, limpando, além do corpo, tantas mágoas, digo que a única coisa que quero vestir de hoje em diante é a  paixão. 

Pés descalços, mente limpa, vazia de qualquer ilusão. 

Sei que me inspiro. Respiro a poesia a cada batida do meu coração. 

Estou completa.

(Nada falta quando a alma está liberta).

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Pelo telefone

"My foundation was rocked/ my tried and true way to deal was to vanish/My departures were old/I stood in the room, shaking in my boots..."(Alanis Morissette)




Foi naquele dia em que eu solucei de tanto chorar, engasgada com as palavras, temendo me ouvir falar...Eu chorava, não havia no mundo melhor meio de desabafar: eu transbordava.
A voz do outro lado da linha me dizia para repousar a cabeça no travesseiro, a fechar os olhos, respirar fundo e simplesmente rezar. Lembrei daquele poema do Henley "A algum deus, se acaso existe, por minha insubjugável alma agradeço". Lembrei porque não cabia naquela situação, estou presa e perdi o jeito certo de me expressar. Lembro também de ter pedido um sinal. Alguma seta que me indicasse o caminho ideal a ser seguido. Porque eu tenho corrido em direção a algo que eu nem sei mais se vale a pena.
Foi naquele dia que, repentinamente, você me disse que seria difícil para alguém como eu trilhar uma vida assim. Pelos motivos óbvios, por aqueles motivos que só estão dentro de mim. E de alguma forma inusitada você me lia. Lembro vagamente de você dizer que essa era mais uma das minhas táticas de fuga da minha própria vida, e, cá entre nós, nem amor, nem dinheiro, nem prazer bastam quando o problema é interno e só existe uma saída. São tantas coisas mal resolvidas, tantas frustrações, tanta dor comedida, tanto sofrimento resignado, tantas decepções, quando a única coisa que fazia o maior sentido do mundo era que eu, excepcionalmente, tinha o dom de pensar. E, pior e mais doloroso que isso, sentir. 

Você expôs tudo claramente, sem rodeios nem meias palavras. O nosso sol é o mesmo, de alguma forma você me ilumina. Deus atendeu ao meu pedido e eu sequer tive que interpretar sinais : você indicou as setas, você me deu o aviso. 

Ainda assim insisti. Ainda assim resisti. Sofro por tudo o que eu não posso controlar e sofro mais por saber que eu sou fraca demais para simplesmente ir. Eu não sei deixar. Embora digam que o tempo faz das suas conosco e que daqui a pouco nada disso será tão relevante, juro, a única coisa que eu queria era não me doer mais. " Sempre existe alguma coisa ausente", foi o que ele disse. É tanto e tão pouco o que me falta. Mas ainda há reticências. Ainda há entrelinhas. E eu me doo, elas sequer são minhas. E nem é mais segredo.

Insisto, pois tenho um coração que anda mais acelerado que a minha respiração. Se o ar é essencial, tudo o que sinto me é vital. 

Eu escrevo sobre amor e dor. E entendo que eles dão no mesmo, afinal.

(Mas, no fim das contas, você tinha razão).



"And yet I wanted to save us, high water or hell
And I kept on ignoring the ambivalence you felt
And in the meantime, I lost myself
In the meantime, I lost myself
I'm sorry, I lost myself... I am..."





É que eu escrevo sobre o que eu sinto, sabe? E o que eu sinto na maior parte do tempo é amor.

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Fim da linha

Eu queria fechar as portas. Juro, queria. Mas uma parte de mim ainda insiste em deixar uma brecha, justifico essa atitude com a esperança de que alguma luz possa entrar. Eu sei, você sabe. Ainda te espero voltar. 
Dá um certo trabalho acostumar meus olhos à mudança em volta, quando tudo é nada agora que você não está. Pensei em trocar as cortinas e em colocar alguma música para tocar. Mas ouvir qualquer coisa é muito difícil depois de tudo o que você decidiu falar. O silêncio que permeia essa sala me mata e não há ninguém no mundo capaz de me salvar. 

Não me reconheço ao me olhar no espelho. Encaro nossos fantasmas e tenho medo. Fico apavorada quando, ao tentar responsabilizar alguém pela culpa, percebo que eram todos meus: você , a culpa, os erros. Na tentativa vã e inábil de nos consertar, acabei perdendo algumas partes, tentando remendar o que não se costura. Não há linha que suporte tanta fissura. Nós rompemos. Não há mais laços, há muito não havia, e, por egoísmo, fui incapaz de te deixar enquanto você, sem discrição alguma, saia da minha vida. Enquanto eu puxava seus braços, enquanto eu me agarrava à ideia que eu tinha de um amor, veja só, um amor que não existia. 

Agora eu te entendo. Sim, eu entendo. Por maior que seja a dor que ainda lateja no meu peito, mais em dias cinzas, quando a chuva cai triste e fina, não dá para amar por dois e solidão não se compartilha. Embora a saudade persista e o amor resista, te garanto, eu também sei viver sozinha.


Para Sarah.