terça-feira, 27 de junho de 2023

Sobre o luto

Estava escovando os dentes quando o pensamento me atravessou. Não sei se absorvi a ideia, não apressei os movimentos das minhas mãos, nem desesperei a dança das cerdas pelos meus dentes. Finalizada a limpeza, me olhei no espelho do banheiro e quase me surpreendi com alguns novos fios brancos nos meus cabelos. Há tempos não me encaro com demora. Isso tem explicação: tenho tentado, em vão, fugir do meu próprio reflexo.
Talvez a palavra fuga não seja a mais adequada, mas ando tão consciente de mim - meu corpo lateja incessantemente há meses - que meu raro sossego acontece quando me distraio ou durmo ( às vezes, nem nos meus sonhos eu descanso).

Ameacei comprar um livro que trata do tema cientificamente, meu jeito torto de dar uma aparência madura a uma reação infantil que se arrasta há anos. O luto que tento elaborar não se refere apenas a uma perda para a morte. Há muitas perdas mal digeridas, inconscientemente ruminadas, que me fazem seguir com a impressão de que há sempre alguma coisa ausente, como escreveu Caio. Ausência em vida.
A sensação devastadora de não me reconhecer. De estar fora de mim. 

Muito se fala sobre as fases desse processo. Não me aprofundei sobre o tema, mas cheguei à conclusão de que tenho um problema seriíssimo com despedidas. Olhando em retrospecto, percebo como naveguei nessa fuga, me esquivando, com certa astúcia, da hora do adeus. Até vir uma onda mais forte. Até eu ser arrebatada. Até o meu naufrágio. 
O perigo de apenas se compreender através do outro. Os olhos alheios se fecham e você não se enxerga com inteireza. Correntes se quebram e não se sabe o que fazer com os pés agora livres e soltos. Com as incertezas.

Sempre me ressenti de partidas (voluntárias, temporárias ou definitivas). Levavam um  pedaço de mim e eu me maldizia, tentando preencher cada vazio como se a entrega não fosse minha.

Sei que a palavra culpa não se aplica e a cada linha escrita me questiono se o meu devaneio vai chegar a alguma conclusão.

Certamente não. 
Estou respeitando minhas perguntas sem respostas, meus passos largos dados em direção a lugar nenhum.

Talvez essas palavras sejam as cinzas que sigo espalhando pelo meu jardim na esperança de que eu desabroche, como bem disse Clarice.

Morrendo um pouco para renascer mais forte.








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