Caio,
Andei num descompasso com as palavras. Tudo aquilo que eu escrevia não parecia refletir o que eu sentia.
Existe escrita de fachada?
Eu simplesmente não me reconhecia.
Às vezes acho que dediquei muito do meu tempo à escassez. Escrevendo sobre impossibilidades, tecendo versos que não me diziam nada. Elaborando a falta.
Estava à beira da página, pronta para o mergulho fundo, mas eu só boiava.
Medo do naufrágio, medo de ter tragada.
Caio, meu sol é o mesmo que o seu. Como se entregar? A metáfora do dedo na garganta é maravilhosa, mas morro de medo de vomitar.
Isso tem até nome científico: emetofobia.
Ter controle é um engano.
O problema é que eu acredito nessa mentira.
Eu sei que é por pensar demais. Racionalizo o que sinto e me sinto exausta. Nem nos meus sonhos eu descanso. Acordo em sobressalto. Vivo apressada.
Tenho urgência em chegar. Onde? Eu não sei.
Quem sabe escrever seja um disfarce. A gente constroi um texto para se esconder.
Talvez escrevendo a gente mostre a nossa verdadeira face. Aquela que quase ninguém vê.
Só sei que é preciso coragem.
Por isso é tão difícil, Caio. Cada palavra é uma pedra retirada dos muros que me cercam. Não consigo falar das flores quando por dentro eu carrego desertos.
Escrever é, para mim, uma espécie de espelho. Eu me enxergo vulnerável, fico completamente exposta.
Isso não te apavora?
Mais uma vez caí nas armadilhas que eu mesma te confidenciei.
Por isso, em respeito à folha em branco, silencio.
Reconheço o abismo, fecho os olhos, inspiro.
Esse silêncio vasto precede o salto.
Sei que dentro dele também mora o grito.
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