domingo, 27 de março de 2022

"Quem é que já foi bebê aqui? Quem é que já foi uma criança pequenininha?" 

Aos 8 anos escutei Legião Urbana pela primeira vez. Achei uma relíquia: uma fita cassete com algumas músicas do As Quatro Estações. 

Há Tempos era a primeira. 

Por óbvio, à época não entendia bem uma letra que começava com "Parece coca1n4, mas é só tristeza..." 

Mais pra frente eu entenderia. 

Ouvia a fita quase todos os dias. Se fiquei esperando meu amor passar era a preferida. Fazia catequese e de alguma forma aquele final me comovia. 

Dois anos depois, fiz minha primeira grande amizade por causa da Legião.
O ápice dessa fase foi aprender Faroeste Caboclo. Foi a primeira vez que escutei (e falei) tanto palavrão. Claramente adquiri fluência com o correr dos anos (entendedores entenderão rs) 

Na adolescência realmente entendi a Legião. Entendi porque senti, por pura identificação. Ouvia Metal Contra as Nuvens e Perfeição, minhas músicas preferidas até hoje, à exaustão.

Mergulhei nas biografias, assisti a cada entrevista, queria saber tudo sobre a banda e seu vocalista. 

E aí o amor pela Legião se tornou amor pelo Renato...Carioca, ariano, ascendente em peixes e lua em áries.
Culto, articulado, politizado. 
Que passou por altos e baixos. 

Ele se tornou a minha referência. 

Cada música tem um significado.
Decorei cada intervenção, cada medley e até as letras erradas de cada disco ao vivo. 

Meu interesse por aprender italiano se deu por causa do Equilíbrio Distante. 

Durante o curso de inglês, gostava de traduzir as músicas do Stonewall Celebration Concert.

Muitos artistas que amo só conheci por causa do Renato (Cowboy Junkies, Nick Drake, Jesus and Mary Chain...) 

Trago na pele os símbolos do seu autógrafo tatuados. 

Fiz amigos que permanecem comigo até hoje por causa da Legião Urbana!

Esse talvez tenha sido o maior presente da banda: me permitir encontrar a MINHA turma por causa da sua música.  

Isso me fez suportar, atravessar. 

E chegar aqui. Hoje. No dia dele, chorando ao tentar fazer caber uma vida inteira num story de 15 segundos. 

Obrigada, Renato Manfredini Jr.
Por me salvar de tudo.
Por me ajudar a criar o meu mundo.
E por todo, todo o resto.

#renatorussovive

sexta-feira, 18 de março de 2022

Eu tinha 12 anos e era proibida de cortar o cabelo.
E, por não poder ir ao cabeleireiro, passei eu mesma a cortá-lo.

Primeiro, apenas as pontas.
Depois, fui cortando mais e mais.
Até arriscar a franja.

Parece uma besteira, mas esse foi o meu primeiro grande ato de coragem.

Guardava os restos mortais numa caixa de lembranças.
Minhas medalhas.

A gente não pode se curvar.

terça-feira, 15 de março de 2022

Caio,

Andei num descompasso com as palavras. Tudo aquilo que eu escrevia não parecia refletir o que eu sentia.
Existe escrita de fachada?
Eu simplesmente não me reconhecia.

Às vezes acho que dediquei muito do meu tempo à escassez. Escrevendo sobre impossibilidades, tecendo versos que não me diziam nada. Elaborando a falta.

Estava à beira da página, pronta para o mergulho fundo, mas eu só boiava.

Medo do naufrágio, medo de ter tragada.

Caio, meu sol é o mesmo que o seu. Como se entregar? A metáfora do dedo na garganta é maravilhosa, mas morro de medo de vomitar.
Isso tem até nome científico: emetofobia.
Ter controle é um engano.
O problema é que eu acredito nessa mentira.

Eu sei que é por pensar demais. Racionalizo o que  sinto e me sinto exausta. Nem nos meus sonhos eu descanso. Acordo em sobressalto. Vivo apressada.

Tenho urgência em chegar. Onde? Eu não sei.

Quem sabe escrever seja um disfarce. A gente constroi um texto para se esconder.

Talvez escrevendo a gente mostre a nossa verdadeira face. Aquela que quase ninguém vê.

Só sei que é preciso coragem.

Por isso é tão difícil, Caio. Cada palavra é uma pedra retirada dos muros que me cercam. Não consigo falar das flores quando por dentro eu carrego desertos.

Escrever é, para mim, uma espécie de espelho. Eu me enxergo vulnerável, fico completamente exposta.
Isso não te apavora?

Mais uma vez caí nas armadilhas que eu mesma te confidenciei.

Por isso, em respeito à folha em branco, silencio.
Reconheço o abismo, fecho os olhos, inspiro.

Esse silêncio vasto precede o salto.
Sei que dentro dele também mora o grito.

sábado, 5 de março de 2022

O universo da menina descalça era o seu quintal.
Ela desbravava o pé de jambo sem medo, com as mãos abraçava os galhos  e dava sempre um jeito de riscar os joelhos. Toda grande aventura deixa uma marca, não seria diferente com a menina descalça.

A vista de lá do alto era muito bonita. Dava pra ver um monte de fios cor de rosa esparramados pelo chão. Flores descabeladas que pareciam um tapete, mas não  limpava os pés borrados de tinta marrom.
A menina era destemida e encorajava a subida do irmão, que resistia.
Ela não sabia o que era solidão, mas sentia.
Muitas vezes apenas escutava o som da própria voz.
Sua melhor companhia.
Era bom estar distraída. Só se dava conta da pressa da tarde quando o sol se escondia sob o canto das cigarras.

A menina que buscava o topo mais alto das árvores descalça.
Ela ainda se incomoda com a prisão dos próprios pés.
Lá no fundo, ela queria ter asas.