Quando você foi embora restaram vazios o quarto, a sala, o meu peito tão cheio de nós e exausto de mim mesma por tentar reescrever a nossa história. Cabia a mim recomeçar. Meu coração doía discretamente; chorava (se chorava) algumas lágrimas contidas, as poucas que sobraram depois de tanta (m)água rolar. Não havia mais desespero, embora cada dia fosse tão pesado quanto a própria despedida. Senti a inadequação de estar num lugar que, embora repleto de móveis e livros e arranjos e cores, possuia ainda muitos espaços vazios. Os espaços: esses sim me incomodavam. Eu não tinha mais do que desviar. Dos seus sapatos esquecidos no meio do corredor. Ou da sua caneca no canto direito ali no chão, perto do sofá. Caso eu tropeçasse por descuido, não haveria mais cacos para limpar. Os cabides sem suas roupas, o armário sem os discos, o colchão que tem o contorno do seu corpo, sinais recentes de que você estava aqui há tão pouco. Não está mais. Compartilho meus dias com o silêncio. Quase não ouço a minha voz, mas devaneio em meus pensamentos. Tento lidar com a sua ausência definitiva, já que a falta que você fazia sempre foi minha companhia. Com você eu estava acompanhada, mas sozinha. Você foi embora; cá estou com as lembranças e a solidão, além de um entendimento que só foi possível agora. Às perguntas, só uma resposta: numa vida tão irregular e transitória apenas as perdas são definitivas. Em meio a tantas mentiras, sou grata por não ter me poupado da maior verdade. Por ter compreendido antes de mim que não dá pra sobreviver com migalhas, não podemos esperar uma relação completa se oferecemos apenas a metade. Aos pedaços, junto os meus próprios cacos. E com os nossos retalhos eu bordo uma imensa saudade.
Pra todos os corações partidos que transformam tristeza em arte: obrigada por inspirar beleza.