segunda-feira, 13 de junho de 2011

Você

"Eu queria solidão, para não ferir os outros nem ser machucada".
(Lya Luft)

Google Imagens



Você não diz, mas sei que não está tão bem quanto vem tentando aparentar. Sorri, disfarça, pega o celular e sai porque é difícil demais estar. Aqui, ali, em qualquer lugar. E procura por nomes, números, numa busca incessante por um pouco de atenção. Uma migalha qualquer serviria, porque você está sozinha e sabe muito bem como é desconfortável essa sensação. O incômodo de não se adequar na própria pele. E anda como quem está perdida, acende um cigarro, respira, inspira, solta a fumaça, olha pro relógio. E não há mais nada além. Essa é você. Só, no meio de tanta gente desconhecida, de tanta agitação, num frio desses que é mais interior do que externo, próprio da estação. Você, tão pacífica e equilibrada, tão sem ressentimentos, ok, beleza, vai passar, sempre passa, é só mais um dia ruim, amanhã eu acordo, tomo um banho e torço pra que isso não se repita, é um saco, eu quase infarto, sempre morta, sempre morta. Tão boa atriz que ninguém nota.

E você procura algum sentido, dramatiza, entra naquele restaurante, é mais uma garota sozinha sem nada mais apropriado pra fazer. Sozinha não apenas por falta de companhia, pois a solidão lhe é inerente. Estivesse ela num estádio superlotado: da mesma forma se sentiria.

Você é uma personagem num enredo patético e sem sentido. Você perdeu, no exercício débil de fazer de conta, a noção da realidade. Tirando os pés do chão você caiu e perdeu, inclusive, a sua identidade. Uma personagem que não tem o texto decorado.  Nunca poderia ocupar o papel principal, sequer atua em improviso. E improvisar era a melhor saída, afinal. Você, mais uma atriz amargurada e ferida.


Você, uma estrangeira na sua própria vida.


Um comentário:

  1. A profundidade dessa citação de Lya Luft é tamanha que demandaria algumas páginas a demonstração de seu erro ou acerto, se é que cabe, no campo do sentimento, tal tentativa. Até bem pouco tempo esse pensamento me cairia como uma luva, seja pela minha ânsia de não mais conviver, seja pela angústia de causar sofrimento a quem não o merece. Aí veio você, inverteu o sentimento, e hoje não consigo mais me enxergar sozinho, neste e nos dias que virão. Não posso e não quero. Não acho certo, ou justo, abandonar esse nosso sentimento pra buscar refúgio e conforto no bunker "solidão". Eu não: Prefiro enfrentar a tormenta, a incerteza, o sofrimento, se hover a possibilidade, apenas a possibilidade, de viver um único dia o prazer e o privilégio de estar com você, como diria Van Morisson, "the way that young lovers do".

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