terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Clarice


"Eu sou um pássaro
Me trancam na gaiola
E esperam que eu cante como antes..."
(Renato Russo)


Você já mediu a profundidade de um corte? Isso não me interessa, baby. O que me importa é  ver o sangue pouco a pouco jorrar e manchar a minha pele branca. Contraste, entende?
Doce sinfonia dos gemidos abafados pelo travesseiro.  Cabelos ensopados de suor, de lágrimas e de incertezas. Essa máscara me caiu muito bem. E, por genuína vaidade, paro para me olhar no espelho, encarando a minha pior metade. E as gotas rubras escorrem pelos meus dedos, pego um papel e começo , com orgulho, a escrever minha carta-testamento.

Estou muito cansada. A dor chega me dissecando de todas as formas e eu não posso mais comigo.  Parece que o fardo pesa demais nessas horas e eu não encontro abrigo. A solidão me acompanha com essa lâmina e isso nunca foi o bastante. Tantas vezes eu apenas chorei, abraçando meus joelhos, com vergonha de mim mesma por não ser tão forte assim. Mas penso no que chamam força e vejo tantas incoerências. O mundo é absurdo e exige de nós uma força hercúlea pra lidar com a vida. Eu não quero socorro. Eu quero a liberdade de estar na minha própria pele com conforto. Da maneira que as coisas tomaram seu curso, passei a odiar cada parte do meu corpo e da minha alma, se existe alguma. Eu só queria viver, baby.  E acho que viver foi sendo subestimado. Viver é fácil para  os entorpecidos pelo poder, seja ele qual for. Eis o preço que paguei para ser quem eu sou. Temos algemas mentais. Aqueles que tentam rompê-las sofrem demais. Sofri muito acreditando na beleza da vida. Até tudo virar cor e pó. Cinza. A felicidade é um olhar diferente para cada ser humano. E ser humano às vezes é ser infeliz. É ser magoado, é ser humilhado, é ser traído e não-considerado. Às vezes ser humano é só ser. E isso, baby, não tem graça alguma.
Em não sendo, vou tentar me adequar, onde haja a permissão para que eu seja fraca e sensível. E que a dor desapareça. Que eu enlouqueça, porque de coisas normais eu já estou cheia.
A propósito, mudei de identidade. Meu nome agora é Clarice. E à outra que morava em mim digo: desapareça.



 Clarice só tem 14 anos.

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