Eu não te reconheceria. Aqueles olhos penosos, desconfiados
e uma boca que ensaiava um sorriso sem mostrar os dentes, um sorriso contido,
uma dispersão aparente. Uma inocência que estava no limite do amadurecimento.
Era notória a sua diferença. Era notório que você tinha marcas que estavam
estampadas no seu rosto infantil, no seu pequeno corpo, na sua velha alma.
Ingênua, tímida, com um ar de tristeza constante.
Eu não te reconheceria. E, à época, certas canções te
prendiam, te fixavam e, posteriormente, se tornariam trilha da sua vida. Sempre
solitária, sempre quieta, sempre fechada.
Eu não te reconheceria, nem naquelas fotografias, foram
tantas mudanças, jamais imaginaria que, de alguma forma, você conseguiria.
Eu não te reconheceria. Se consegui foi por identificação
imediata com aquele olhar. Eu me olho no espelho e percebo: algumas coisas
nunca mudam, por mais diferentes que por agora pareçam. Posso ter segurança,
melhorado minha aparência, crescido de todas as maneiras possíveis, pois de 6
para 20 anos há distorções. O reflexo diverge, mas algo permanece intacto. A
incompletude e a solidão ainda me assombram.
Se eu pudesse dizer algo àquela menina que tinha medo
de sorrir e de falar, diria que eu estou indo bem, que ela não precisava ter tantas
cicatrizes para olhar hoje em dia, porque o tempo trata, a seu modo, de
resolver tudo que parece insolucionável. E as piores coisas que te aconteceram
durante a sua infância, coisas das quais você se lembra com clareza e que ainda
te doem por dentro de uma forma insuportável...Tudo isso te transformou no
melhor que você podia ser.
E aquela canção que você ouvia sem muito compreender, ela é
verdade, é o mantra da sua vida desde sempre: “ Tudo passa, tudo passará..."
Mas, honestamente, você não precisava se doer tanto.
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