sábado, 23 de outubro de 2010

Da Renovação - II

Para você que, de algum modo, conseguiu surpreender a todos com mudanças (in) esperadas, e se pegou surpreso consigo mesmo por ter, de fato, chegado onde queria, mesmo não sabendo exatamente o que isso significa.
Para você que saiu do conforto dos lençóis e travesseiros e resolveu desbravar as madrugadas, todas as suas luzes, mistérios e segredos.
Para você que se permitiu ficar horas e horas a fio conversando com pessoas surpreendentes, aprendendo tantas coisas novas e obtendo novas perspectivas.
Para você que se cansou da mesmice e da rotina e resolveu mudar por completo a sua vida.
Para você que terminou aquele relacionamento que, embora seguro, não mais satisfazia.
Para você que se emaranhou em teias e jamais pensou que conseguiria se desprender um dia.
Para você que mergulhou de cabeça em situações sem saber no que daria.
Para você que teve a coragem de assumir riscos e que suportou os possíveis danos.
Para você que devorou muitos livros e que aprendeu muito com cada página escrita.
Para você que lutou pelos seus sonhos com determinação, mas sempre com os dois pés firmes no chão.
Para você que está reaprendendo a amar e sente como isso pode ter grande valor.
Para você que está encantado com os rumos que a vida tomou.
Para você que se pegou sorrindo um sorriso bobo e pensou algo assim como: " Lá vem a vida me surpreender de novo!"


And then again, life amazes me.






Da Renovação - I

Eu estou me saindo bem. Não tenho dormido tanto quanto antes, pelo contrário, tenho estado mais acordada do que nunca. Tenho feito as minhas unhas, vermelho, como você bem sabe, tenho cuidado do meu cabelo, engordei um pouco, mas nada do que a minha volta à rotina de corridas pelas manhãs não resolva. Estou fazendo as pazes comigo. Ontem, deitei na minha cama, olhei para o teto, depois para as cortinas que fechavam a janela e impediam a claridade de entrar...Ontem eu me dei conta de que não estou me sentindo mais vazia. Pelo contrário. Tenho me sentido mais viva a cada segundo. E olha que nos últimos tempos eu estava pouco confortável na minha própria pele. Eu não estava aguentando, sabe? Quem diz que todos tem força pra aguentar o tranco pode até ter razão, mas tem certos momentos em que a gente é fraco, pessimista, egoísta demais. Pensei em me tacar pela janela. Pode rir, mas estou falando sério. Fiquei deitada, ouvindo aquela música do Renato, "estou cansado de ser vilipendiado, incompreendido e descartado", é, isso mesmo, do último disco...Clarisse, lembrei agora o nome dela. Nada mais fazia sentido, entende? E eu sei que você vai dizer que além de eu ter sido pega num momento de fraqueza, eu não teria coragem de ir adiante. Eu concordo. Mas daquela vez, naquela única vez, o pensamento foi lúcido demais. Como se fosse uma outra pessoa me convencendo a ir adiante. E eu quase fui. Engraçado como a possibilidade me parece aterrorizante agora. Naquela tarde ela era atraente.

Aí me surpreendi com um bombardeio de ideias positivas, vindas da minha mãe, especialmente, me dizendo que eu precisava ter uma visão nova diante da vida. Fechei os olhos enquanto ela falava e me veio tanta coisa boa, tantas perspectivas onde só havia um buraco negro. Onde eu só enxergava cinza. E a visão começou a ficar menos embaçada e, estupidamente, tudo começou a mudar. Eu ainda rio quando falo disso, sou tão desacreditada que, ao me ouvir explanando tais palavras, acho graça. Porque é irônico, porque é divertido, porque eu estou me sentindo bem como há tempos não me sentia. E sei que isso foi tão merecido, tão suado, tive que me desconstruir para me edificar tantas vezes, que sinto orgulho dessa sensação. E você ri de mim novamente. Sim, eu estou me sentindo boba...
Fazer o quê, melhor do que ficar naquela constante amargura, não é?

Ok, chega desse papo todo, o que eu quero dizer é que eu não estou mais tão preocupada com o que deu errado...Na verdade, estou empenhada em fazer dar certo. Acho que atentei mais para aquele último trecho da música, deixando de lado toda a depressão tempestiva...Eu escolhi voar pelo caminho mais bonito.


terça-feira, 12 de outubro de 2010

Vai passar

Eu te prometo com todas as forças dos meus pensamentos, com toda a positividade que há no universo, com todo o amor que tenho no meu peito. Eu te juro, isso passa. As lágrimas cessam, a dor de alguma forma diminui, os pensamentos ficam claros e a vida passa a ter sentido novamente...O sofrimento dura o tempo que dedicamos a ele...Dura o que tem que durar, para seguirmos em frente, confiantes, mais fortes e, preferencialmente, mais espertos. E tudo na vida é crescimento quando se tira proveito das situações, por piores que pareçam...é mesmo sobre "fazer do ruim algo bom" pois sempre há uma lição nova a ser aprendida, erros a serem reparados, lembranças para serem vividas e, se for o caso, devidamente esquecidas.
São as tais fases que somos obrigados a passar, por motivos desconhecidos e cujo entendimento só ocorre posteriormente, quando ocorre...De algum modo, passa. Repentinamente você acorda e o mundo não parece mais tão cinza, e o fardo de viver não está tão pesado. Na verdade, pode durar uma noite apenas, a dor pode ser curada com sono e, pela manhã, repare, os problemas não parecem mais tão impossíveis assim. É tudo sobre o tempo. Sobre o afastamento que proporciona uma visão mais clara. Um quadro observado de muito perto perde a nitidez, fica fragmentado...Quando nos afastamos, vemos o todo. Inteiro, completo, real.
E ao se olhar no espelho, você se reconhece, se vê como um ser igualmente completo, inteiro, humano. Real. Que o sofrimento faz parte da jornada e que nela nada é eterno. Nada. E você se perdoa pelas idealizações, pelos erros repetidos, por ter ansiado por respostas, por ter esperado demais, por ter amaldiçoado todos os dias em que a tristeza foi a única companhia. Agradece por ter a chance de fazer tudo de novo, se assim quiser. E esboça um sorriso. Porque realmente passou.

"...e, de repente, no meio de uma frase ou de um movimento te surpreenderás pensando algo assim como 'estou contente outra vez'." (Caio Fernando Abreu)



Eu estou contente outra vez. 


terça-feira, 5 de outubro de 2010

"Todos estão surdos". E cegos. E mudos.

Nessas eleições teremos segundo turno, e anularei meu voto. Farei isso como uma manifestação silenciosa da minha grande decepção, da falta de escolhas decentes, da impossibilidade de eleger alguém que, de fato, me parece coerente e comprometido a mudar o país. Para melhor, preferencialmente.

Vou me ater a um clichê que me soa muito verdadeiro: " É mais cego aquele que não quer ver". A cegueira de que falo é sutil, se manifesta em conversas, em argumentos (ou falta deles), em situações imediatistas que não abrangem modificações reais.

Todos estão surdos, já cantou Roberto Carlos. Não ouvem as barbaridades que seus candidatos postos em pedestais falam aos quatro cantos. Antes, durante e após as eleições. Não percebem as mentiras veladas , sequer as descaradas que saem com facilidade da maldita boca hipócrita dos políticos.  
Todos estão cegos. Não conseguem enxergar a obviedade, a hipocrisia em questões que são discorridas em época de eleições, não enxergam a verdade nua e crua que está presente no dia a dia. O descaso com a educação, a miséria, a violência, a impunidade, a corrupção e as mentiras mais do que claras que passam, a cada dia, nos meios de comunicação. No lixo advindo das propagandas milionárias desses candidatos que estão mais preocupados com sua própria imagem, do que se todo aquele papel entupirá algum bueiro causando enchentes na primeira chuva que vier, transtornando a vida de tanta gente
Todos estão mudos. Esqueceram o poder construtivo da crítica, do questionamento, da não-conformação. 

Estamos nos boicotando e sendo subjugados. Somos subestimados. Não é radicalismo, parto do princípio estatítico de que grande parte da população não conhece os seus candidatos, votam e sequer lembram de quem elegeram, são comprados, infelizmente, por tantas bolsas - miséria e continuam sendo massa de manobra daqueles cujo primordial objetivo é se perpetuar no poder, tentando encontrar algo que de forma mediana agrade uma parte da população. Nós não merecemos uma vida "mais ou menos", uma escola "mais ou menos" com professores "mais ou menos" que recebem salários "mais ou menos". Nós merecemos tudo de melhor, porque a democracia é do povo, somos nós os responsáveis pela condução da nossa vida e pela eleição daquele (a) que irá conduzir o NOSSO país.

Infelizmente, não sei como finalizar essa crítica de forma otimista, porque as pessoas se conformam com muita facilidade, há inúmeros problemas a serem resolvidos no país e as pessoas se atém a atitudes ínfimas diante da situação complexa do nosso país. Muita gente não é vista, não é incluída nos projetos governamentais e não possui voz. Houve melhorias, mas ainda há uma estrada longa a ser percorrida. Há muito a ser feito. A questão é: quem você quer ter como guia?

Renato Russo, com a sua genialidade e maestria, escreveu uma canção gravada em 1993, chamada Perfeição, que, infelizmente, continua atualíssima. Não consigo ficar indiferente a esse tapa na cara em forma de poesia. O Brasil é o país do futuro. E o futuro? Já chegou?


"Vamos celebrar
A estupidez humana
A estupidez de todas as nações
O meu país e sua corja
De assassinos
Covardes, estupradores
E ladrões...
Vamos celebrar
A estupidez do povo
Nossa polícia e televisão
Vamos celebrar nosso governo
E nosso estado que não é nação...
Celebrar a juventude sem escolas
As crianças mortas
Celebrar nossa desunião...
Vamos celebrar Eros e Thanatos
Persephone e Hades
Vamos celebrar nossa tristeza
Vamos celebrar nossa vaidade...
Vamos comemorar como idiotas
A cada fevereiro e feriado
Todos os mortos nas estradas
Os mortos por falta
De hospitais...
Vamos celebrar nossa justiça
A ganância e a difamação
Vamos celebrar os preconceitos
O voto dos analfabetos
Comemorar a água podre
E todos os impostos
Queimadas, mentiras
E seqüestros...
Nosso castelo
De cartas marcadas
O trabalho escravo
Nosso pequeno universo
Toda a hipocrisia
E toda a afetação
Todo roubo e toda indiferença
Vamos celebrar epidemias
É a festa da torcida campeã...
Vamos celebrar a fome
Não ter a quem ouvir
Não se ter a quem amar
Vamos alimentar o que é maldade
Vamos machucar o coração...
Vamos celebrar nossa bandeira
Nosso passado
De absurdos gloriosos
Tudo que é gratuito e feio
Tudo o que é normal
Vamos cantar juntos
O hino nacional
A lágrima é verdadeira
Vamos celebrar nossa saudade
Comemorar a nossa solidão...
Vamos festejar a inveja
A intolerância
A incompreensão
Vamos festejar a violência
E esquecer a nossa gente
Que trabalhou honestamente
A vida inteira
E agora não tem mais
Direito a nada...
Vamos celebrar a aberração
De toda a nossa falta
De bom senso
Nosso descaso por educação
Vamos celebrar o horror
De tudo isto
Com festa, velório e caixão
Tá tudo morto e enterrado agora
Já que também podemos celebrar
A estupidez de quem cantou
Essa canção...
Venha!
Meu coração está com pressa
Quando a esperança está dispersa
Só a verdade me liberta

Chega de maldade e ilusão
Venha!
O amor tem sempre a porta aberta
E vem chegando a primavera
Nosso futuro recomeça
Venha!
Que o que vem é Perfeição!..."

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Codinome Beija- Flor


"Pra que usar de tanta educação
Pra destilar terceiras intenções
Desperdiçando o meu mel
Devagarzinho, flor em flor
Entre os meus inimigos, beija-flor"
 
(Cazuza)


Nada era esperado. E na espera inexistente que havia, o telefone tocava. Aquela voz conhecida era ouvida e o coração batia, o frio gélido das lembranças não - vividas, uma esperança desconexa rompendo com o equilíbrio que havia. O sangue jorrava. E,  como bela atriz que passara a ser, ela sorria. Que palavras eram aquelas que surgiam assim, repentinamente, numa madrugada fria quando não existiam possibilidades, não havia novidade, não restava nada? Que palavras eram aquelas que, há muito tempo eram ansiadas, desesperadas, mas nunca trocadas? Ora, ela ouvia, complacente, as lamúrias e o sofrimento daquele que era autor de uma das maiores dores de sua vida. Quase não falava, quase nada retinha seus pensamentos. Ela se controlava para não cometer, novamente, a maior insanidade da sua vida. E, para que pusesse tudo a perder, bastava que duas simples palavras fossem ditas . Outra vez? Ela não se permitia. Então, à conversa ela se prendia, à voz dele dizendo todas aquelas coisas insuportáveis de serem ouvidas, o coração em taquicardia, os olhos na iminência de chorar, novamente, por tudo o que ficou para trás, quando o "nós" que havia ficou abandonado em algum bar,  alguma esquina. Na sua ingenuidade, ensaiava frases de conforto, "vai passar", " faça o que te faz feliz", " nada dura para sempre" e, por mais estranho que soasse, naquele redemoinho contraditório de sentimentos e pensamentos, ela desejava que toda a dor sentida por ele fosse verdadeiramente curada. Lá no fundo ela queria dizer: " você é meu ímã e, ao mesmo tempo, minha ruína." Como no clímax de um filme, a trilha sonora escolhida passa a reger aquele projeto de história, aquele fragmento da vida de um par que jamais se encontraria, mas por sorte, azar, coincidência ou magia, se reconheceram no fim da linha, onde o algoz é confortado pelas mesmas mãos que ele prendia. Metaforicamente, o coração, ora destruído, tentava com os seus cacos reconstruir um outro coração também partido. Triângulo amoroso do sofrimento. Um misto de gratidão, educação e bondade, ele diria. Ela se perguntava: " desde quando eu passei a ser boazinha?" E a trilha continuava: " para que mentir/fingir que perdoou/ tentar ficar amigos sem rancor..."
Alguma lágrima escorria, a voz começava a embargar e, então, ela tomou a decisão mais sensata dos últimos dias: decidiu, enfim, desligar.

E ela chorava. Lágrimas que há tempos eram contidas, mas que hora ou outra, iriam romper todo o ciclo, quem sabe a sua própria retina. Já não enxergava mais o que acontecia. Ela se esvaziava para se sentir completa. Havia rancor? Havia dor? Nada fazia sentido. E  a resposta-conforto que chegava ao seu ouvido veio do verso redentor da canção que ouvia:  " prendia o choro e aguava o bom do amor..."

"Prendia o choro e aguava o BOM do amor". Ela repetia, criando coragem para juntar os cacos e secar as lágrimas. Para desligar o telefone. Para seguir, de uma vez por todas, com a sua vida.

Memória

Amar o perdido
deixa confundido
este coração.

Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.

As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão

Mas as coisas findas
muito mais que lindas,
essas ficarão.

(Carlos Drummond de Andrade)