Nessas eleições teremos segundo turno, e anularei meu voto. Farei isso como uma manifestação silenciosa da minha grande decepção, da falta de escolhas decentes, da impossibilidade de eleger alguém que, de fato, me parece coerente e comprometido a mudar o país. Para melhor, preferencialmente.
Vou me ater a um clichê que me soa muito verdadeiro: " É mais cego
aquele que não quer ver". A cegueira de que falo é sutil, se
manifesta em conversas, em argumentos (ou falta deles), em situações
imediatistas que não abrangem modificações reais.
Todos estão surdos, já cantou Roberto Carlos. Não ouvem as barbaridades
que seus candidatos postos em pedestais falam aos quatro cantos. Antes,
durante e após as eleições. Não percebem as mentiras veladas , sequer as descaradas que saem com facilidade da maldita boca hipócrita dos políticos.
Todos estão cegos. Não conseguem enxergar a obviedade, a hipocrisia em questões que são discorridas em época de eleições, não enxergam a verdade nua e crua que está presente no dia a dia. O descaso com a educação, a miséria, a violência, a impunidade, a corrupção e as mentiras mais do que claras que passam, a cada dia, nos meios de comunicação. No lixo advindo das propagandas milionárias desses candidatos que estão mais preocupados com sua própria imagem, do que se todo aquele papel entupirá algum bueiro causando enchentes na primeira chuva que vier, transtornando a vida de tanta gente
Todos estão mudos. Esqueceram o poder construtivo da crítica, do questionamento, da não-conformação.
Estamos nos boicotando e sendo subjugados. Somos subestimados. Não é radicalismo, parto do princípio estatítico de que grande parte da população não conhece os seus candidatos, votam e sequer lembram de quem elegeram, são comprados, infelizmente, por tantas bolsas - miséria e continuam sendo massa de manobra daqueles cujo primordial objetivo é se perpetuar no poder, tentando encontrar algo que de forma mediana agrade uma parte da população. Nós não merecemos uma vida "mais ou menos", uma escola "mais ou menos" com professores "mais ou menos" que recebem salários "mais ou menos". Nós merecemos tudo de melhor, porque a democracia é do povo, somos nós os responsáveis pela condução da nossa vida e pela eleição daquele (a) que irá conduzir o NOSSO país.
Infelizmente, não sei como finalizar essa crítica de forma otimista, porque as pessoas se conformam com muita facilidade, há inúmeros problemas a serem resolvidos no país e as pessoas se atém a atitudes ínfimas diante da situação complexa do nosso país. Muita gente não é vista, não é incluída nos projetos governamentais e não possui voz. Houve melhorias, mas ainda há uma estrada longa a ser percorrida. Há muito a ser feito. A questão é: quem você quer ter como guia?
Renato Russo, com a sua genialidade e maestria, escreveu uma canção gravada em 1993, chamada Perfeição, que, infelizmente, continua atualíssima. Não consigo ficar indiferente a esse tapa na cara em forma de poesia. O Brasil é o país do futuro. E o futuro? Já chegou?
"Vamos celebrar
A estupidez humana
A estupidez de todas as nações
O meu país e sua corja
De assassinos
Covardes, estupradores
E ladrões...
Vamos celebrar
A estupidez do povo
Nossa polícia e televisão
Vamos celebrar nosso governo
E nosso estado que não é nação...
Celebrar a juventude sem escolas
As crianças mortas
Celebrar nossa desunião...
Vamos celebrar Eros e Thanatos
Persephone e Hades
Vamos celebrar nossa tristeza
Vamos celebrar nossa vaidade...
Vamos comemorar como idiotas
A cada fevereiro e feriado
Todos os mortos nas estradas
Os mortos por falta
De hospitais...
Vamos celebrar nossa justiça
A ganância e a difamação
Vamos celebrar os preconceitos
O voto dos analfabetos
Comemorar a água podre
E todos os impostos
Queimadas, mentiras
E seqüestros...
Nosso castelo
De cartas marcadas
O trabalho escravo
Nosso pequeno universo
Toda a hipocrisia
E toda a afetação
Todo roubo e toda indiferença
Vamos celebrar epidemias
É a festa da torcida campeã...
Vamos celebrar a fome
Não ter a quem ouvir
Não se ter a quem amar
Vamos alimentar o que é maldade
Vamos machucar o coração...
Vamos celebrar nossa bandeira
Nosso passado
De absurdos gloriosos
Tudo que é gratuito e feio
Tudo o que é normal
Vamos cantar juntos
O hino nacional
A lágrima é verdadeira
Vamos celebrar nossa saudade
Comemorar a nossa solidão...
Vamos festejar a inveja
A intolerância
A incompreensão
Vamos festejar a violência
E esquecer a nossa gente
Que trabalhou honestamente
A vida inteira
E agora não tem mais
Direito a nada...
Vamos celebrar a aberração
De toda a nossa falta
De bom senso
Nosso descaso por educação
Vamos celebrar o horror
De tudo isto
Com festa, velório e caixão
Tá tudo morto e enterrado agora
Já que também podemos celebrar
A estupidez de quem cantou
Essa canção...
Venha!
Meu coração está com pressa
Quando a esperança está dispersa
Só a verdade me liberta
Chega de maldade e ilusão
Venha!
O amor tem sempre a porta aberta
E vem chegando a primavera
Nosso futuro recomeça
Venha!
Que o que vem é Perfeição!..."