"Pra que usar de tanta educação
Pra destilar terceiras intenções
Desperdiçando o meu mel
Devagarzinho, flor em flor
Entre os meus inimigos, beija-flor"
Pra destilar terceiras intenções
Desperdiçando o meu mel
Devagarzinho, flor em flor
Entre os meus inimigos, beija-flor"
(Cazuza)
Nada era esperado. E na espera inexistente que havia, o telefone tocava. Aquela voz conhecida era ouvida e o coração batia, o frio gélido das lembranças não - vividas, uma esperança desconexa rompendo com o equilíbrio que havia. O sangue jorrava. E, como bela atriz que passara a ser, ela sorria. Que palavras eram aquelas que surgiam assim, repentinamente, numa madrugada fria quando não existiam possibilidades, não havia novidade, não restava nada? Que palavras eram aquelas que, há muito tempo eram ansiadas, desesperadas, mas nunca trocadas? Ora, ela ouvia, complacente, as lamúrias e o sofrimento daquele que era autor de uma das maiores dores de sua vida. Quase não falava, quase nada retinha seus pensamentos. Ela se controlava para não cometer, novamente, a maior insanidade da sua vida. E, para que pusesse tudo a perder, bastava que duas simples palavras fossem ditas . Outra vez? Ela não se permitia. Então, à conversa ela se prendia, à voz dele dizendo todas aquelas coisas insuportáveis de serem ouvidas, o coração em taquicardia, os olhos na iminência de chorar, novamente, por tudo o que ficou para trás, quando o "nós" que havia ficou abandonado em algum bar, alguma esquina. Na sua ingenuidade, ensaiava frases de conforto, "vai passar", " faça o que te faz feliz", " nada dura para sempre" e, por mais estranho que soasse, naquele redemoinho contraditório de sentimentos e pensamentos, ela desejava que toda a dor sentida por ele fosse verdadeiramente curada. Lá no fundo ela queria dizer: " você é meu ímã e, ao mesmo tempo, minha ruína." Como no clímax de um filme, a trilha sonora escolhida passa a reger aquele projeto de história, aquele fragmento da vida de um par que jamais se encontraria, mas por sorte, azar, coincidência ou magia, se reconheceram no fim da linha, onde o algoz é confortado pelas mesmas mãos que ele prendia. Metaforicamente, o coração, ora destruído, tentava com os seus cacos reconstruir um outro coração também partido. Triângulo amoroso do sofrimento. Um misto de gratidão, educação e bondade, ele diria. Ela se perguntava: " desde quando eu passei a ser boazinha?" E a trilha continuava: " para que mentir/fingir que perdoou/ tentar ficar amigos sem rancor..."
Alguma lágrima escorria, a voz começava a embargar e, então, ela tomou a decisão mais sensata dos últimos dias: decidiu, enfim, desligar.
E ela chorava. Lágrimas que há tempos eram contidas, mas que hora ou outra, iriam romper todo o ciclo, quem sabe a sua própria retina. Já não enxergava mais o que acontecia. Ela se esvaziava para se sentir completa. Havia rancor? Havia dor? Nada fazia sentido. E a resposta-conforto que chegava ao seu ouvido veio do verso redentor da canção que ouvia: " prendia o choro e aguava o bom do amor..."
"Prendia o choro e aguava o BOM do amor". Ela repetia, criando coragem para juntar os cacos e secar as lágrimas. Para desligar o telefone. Para seguir, de uma vez por todas, com a sua vida.