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Se as tulipas eram para alguma ocasião especial? Não, não eram. Disse isso ao florista, encarando as minhas flores e me aproximando delas para sentir o aroma. Certa vez, algum florista me confidenciou que o significado primordial da tulipa é o amor perfeito. Sorri, claro. Primeiro, com certa supresa. Depois, porque pensei na ironia dessa pequena descoberta. 'Amor perfeito...'- pensei comigo- 'só mesmo flores são capazes de trazer esse binômio para a minha vida.' Confesso que a partir de então, com o ceticismo que me é inerente, fiz desse causo um motivo para exaltar a minha solidão. Algumas pessoas me perguntavam do porquê das tulipas, sempre dispostas no mesmo vaso, sobre a mesma mesa, na exata posição. Eu dizia, esboçando um sorriso: ' Descobri que posso comprar uma dúzia de amor. Quanto à disposição, tem tudo a ver com o meu estilo metódico e com o fato de que o amor e a rotina acabam se encontrando, né? Sim, é bem verdade que elas não duram muito, que em poucos dias murcham, mas não é o amor perecível? O melhor de tudo é que posso comprar mais depois, sem desespero, sem prejuízo'. Meus amigos riam do meu descaso, mas achavam divertida minha maneira de enxergar a vida. Fizeram, inclusive, em nossas noites de cartas, apostas que sobrepuseram o nosso ritual de cervejas e notas de cinco reais. Apostaram que um dia eu iria me surpreender, me apaixonar e que seria muito mais interessante do que a "filosofia das tulipas", apelido que deram a minha brincadeira. Eu, como sempre, debochei do intento. 'Vocês vão perder e, saibam de antemão, quero mais do que cigarros dessa aposta.'
Não, eu nunca me imaginei num ritual romântico com outra pessoa. Sequer me imagino compatilhando as minhas coisas, os meus livros, a minha cozinha e, muito menos, a minha rotina, a minha vida, os meus medos, minhas manias. Tive, claro, alguns relacionamentos que foram divertidos e que duraram o suficiente para que se evitasse todo aquele drama de estar apaixonado, chorar ao ouvir certas canções, essas coisas que eu não compreendo porque não vivi. E nem sei se quero. Eu me conheço, meus pés são fincados no chão, tenho emoções, obviamente, mas não tenho aquela peça fundamental para fazer esses relacionamentos darem certo; a entrega não faz parte de mim. Confiar no outro sem saber qual vai ser, deixando o meu coração aberto, quase que com um cartaz dizendo : " Eis meu coração, faça dele o que quiser, pode até deixá-lo em pedaços, mas espere um pouco mais, deixa o pior para o final". Isso não me pertence.
Famous last words.
Uma semana havia passado. Minhas tulipas já tinham desbotado, mas, não sei porquê, demorei para comprá-las. Decidi arrumar meu quarto, separar algumas inutilidades, me entreti com algumas fotos e textos, acabei dormindo e só acordei no outro dia, com o cheiro forte das flores murchas. Passei uma água no rosto, joguei fora as tulipas, peguei minha bolsa e saí.
Ao chegar na floricultura, pela primeira vez em anos de dedicação a esse ritual, não havia tulipas. Olhei para o vendedor, pela primeira vez em anos, e reparei que ele sorria, com um ar de espanto, por eu estar tão preocupada com a falta das flores. 'Devo ir buscá-las em dois dias. Tivemos um problema na distribuição', ele disse. Eu murmurei algo como "tudo bem, volto aqui depois, obrigada" e saí, desnorteada. Como eu iria ficar sem as tulipas? Sim, é de uma banalidade ímpar essa minha preocupação, mas essa tradição estava presente nos meus dias, dava sentido à minha casa e, inclusive, me fazia companhia. Sem contar que embelezava e harmonizava, segundo o feng - shui, todo o ambiente. Senti o desequílibrio. Fechei os olhos e fui fazer outras coisas, para que o tempo passasse mais depressa. Telefonei para um amigo, contei sobre o pequeno desastre do dia, ele riu e disse: ' Você precisa é de um homem, isso sim'. Rimos.
No dia seguinte, no final da tarde, entretida nos meus trabalhos, alguém toca a campanhia. Fico receosa, uma vez que não interfonaram para anunciar de quem era a visita. Me deparo com uma coroa gigantesca de tulipas tomando quase todo o corredor. Penso que algum dos meus amigos fizeram isso para brincar comigo, ou, no mínimo, para que o meu drama das tulipas se encerrasse. Errei nas duas hipóteses. Da forma mais sutil, vejo aquele rapaz da floricultura surgindo do mar de flores que ocupavam todo o espaço. Ele sorri e diz algo assim:
"Você sabe o significado das tulipas. Obviamente sabe. E, não direi que sou o seu amor perfeito, nem que esse é um símbolo do meu encantamento. Odeio símbolos. O que eu quero dizer é que as coisas não acontecem graças ao acaso, destino, sorte, seja lá o nome que dão quando queremos muito algo e conseguimos. Acontece porque agimos. Essa é a minha atitude: eu quero você. Simples assim. Trocamos poucas palavras, talvez eu não seja a pessoa ideal pra você, eu não sei de muitas coisas. Mas eu sei o que eu senti ao ter o seu olhar no meu, pela primeira vez em tanto tempo. Percebi que era mesmo certo. Eu quero fazer parte da sua vida, de algum modo, assim como as tulipas. Eu quero durar com você. Seja lá pelo tempo que for. Prometo que será imperfeito e imprevisível. E vai valer a pena."
Sorrimos e ele compreendeu. O equilíbrio que me faltava entrou pela porta da sala. Entrou rompendo com a rotina, bagunçando os meus pensamentos e me deixando paralisada. Chamam a isso de estado de graça. Porque eu estava, naquele momento, perdendo todas as apostas; porque a minha vida estava, de algum modo, mudando. Eu sei disso agora.
Olhando nos
olhos dele eu disse, do meu jeito pouco romântico : 'Ok. Pode jogar as tulipas fora.'
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