segunda-feira, 27 de abril de 2020

Ela sempre deixava uma garrafa de chá em cima da mesa. Eu tomo chá desde pequena por causa dela. Capim limão, canela, boldo, erva cidreira. 
Depois de quase 10 anos sem vê-la, apareci de surpresa, e ela quase parecia não acreditar. Tentava falar, os olhos marejados; eu, emocionada, só repetia: vovó, eu tô aqui! Eu tô aqui! E ria, ria...Estendia a mão para a bênção enquanto ela dizia: 'Deus te faça feliz, minha filha!'
Sentada ao seu lado, olhávamos juntas alguns álbuns, cada lembrança capturada, cada momento registrado... mas a fotografia em que ela estava com vovô ao lado...Não sei expressar... ela não se continha. Não era simplesmente saudade. Era algo tão concreto, tão palpável, que eu quase conseguia tocar.

Como essa perda dolorida que sinto agora. Que eu mal consigo suportar.

Algo em seu olhar me dizia que a nossa despedida seria definitiva, mas eu não queria acreditar.
Filosofia nenhuma nos prepara. A dor é sempre inédita. E desola, paralisa, me arrebata. Não quero me acostumar com a ausência, com o vazio, com a falta.

Sou grata, vovó. Pelo laço que nos une, pelo privilégio de vivenciar tantos momentos ao seu lado. Ensaio um sorriso em meio às lágrimas, porque a senhora está presente.
Quando me pego fazendo um bordado, quando olho para a minha mãe, quando tomo o meu chá.
Nas palavras, nas fotografias, nas lembranças mais bonitas.

Te eternizo, minha velhinha.
Só o amor é capaz de tornar a vida infinita.

domingo, 26 de abril de 2020

Ontem eu fiquei eufórica. Por um pouco de esperança. Por um pouco de egoísmo. Por me sentir parte de um coletivo até meio patético, pela disputa sobre quem tem razão, pelo prazer de poder falar "eu avisei". Que poder. Que razão. A realidade é triste demais pra se apegar a isso. O distanciamento social afasta muito do convívio e nos obriga ao silêncio. E é nesse momento que a gente aprende e cresce. É fácil apontar dedos. Difícil é olhar pra dentro. E por causa disso, reflito que apesar do impulso, da raiva, da vontade de desmascarar a hipocrisia e a mentira que permeiam a nossa política desde o descobrimento, sei que há gente muito boa que também está aprendendo, que está tentando fazer algo pra melhorar o país no dia a dia, mais até do que aqueles que foram eleitos e são bancados pelo nosso dinheiro. 
E hoje, só por hoje, quero pensar com um pouco de otimismo e gratidão. Estou numa posição muito privilegiada. E sabendo disso, qualquer aparência de poder é uma farsa. O único poder que tenho é de dirigir a minha vida calcada naquilo que acredito. Ninguém é perfeito. E eu sei que há muita gente parecida comigo nesse sentido. 
A essas pessoas eu agradeço!

segunda-feira, 20 de abril de 2020

Vou me apegar aos poucos, porém firmes, laços de esperança que mantém a minha lucidez - quase - intacta. Experimento a alternância de sentimentos: ora choro copiosamente, ora gargalho; ora me preocupo, ora me distraio. E vivo um dia de cada vez entre quatro paredes, da cozinha para o quarto, vendo tv, ouvindo música, lendo um livro, me mantendo informada sem sucumbir ao cinza desses tempos, retrato da vida refletida nos noticiários.

Hoje falei com alguns dos meus melhores amigos. Todos juntos. Quando estávamos na mesma cidade, o encontro era fácil, quase habitual. Aos poucos foi ficando mais raro. A justificativa? Em suma, falta de tempo. A famigerada falta de tempo que culminou num forte distanciamento, resolvido apenas ano passado. Ironicamente, hoje temos todo o tempo do mundo, precisamos uns dos outros, mas não podemos estar lado a lado. 

Em meio a tantas dúvidas, de uma coisa estou certa: o que estamos vivenciando veio para transformar. Separar o joio do trigo. Alinhar nossos valores. Voltar o nosso olhar ao que nos faz sentir, ao que nos dá sentido, ao que realmente importa.

O que é verdadeiro, permanecerá. 
O resto caberá ao tempo. 
Tempo esse que temos de sobra. 

segunda-feira, 13 de abril de 2020

Moraes

Acordei com a notícia, enquanto o céu chove a cântaros.
Difícil conter as lágrimas, quando a poesia parece estar cada dia mais escassa.
Fiquei reflexiva. Entoando as canções na minha mente, numa tentativa malsucedida de deixar a tristeza ir embora. Rememorando as letras do poeta que inspira alegria. 
São muitas as lembranças vivenciadas tendo suas músicas como trilha. Viagens, pessoas, paisagens.
Ouvir Moraes Moreira é tomar um elixir da felicidade. É resgatar uma época mais simples, repleta de cor, amor, som, criatividade.

Uma perda como essa desbota ainda mais esses dias tão cinzas...

"Acabou chorare no meio do mundo
Respirei eu fundo..."