São Paulo ainda não me abraça. E eu que achava que estar no norte era se distanciar do que eu chamava lar. A cidade se apresentou pra mim toda iluminada, sol flamejante e céu azul num dia limpo. O trânsito fluía. Acho até que esbocei um sorriso. Mas aí veio o aperto no peito, a secura na boca, a taquicardia. Prestes a dormir, acordava em sobressalto, um ímpeto de quem está na iminência de ir. Mas eu tinha acabado de chegar.
Depois a neblina tomou lugar. A tarde sem cor, a chuva fina, a minha pele desacostumada do frio, meus pêlos eriçados, arrepios. Nada pra aquecer, nem Caio F., nem vinho tinto: a sós, eu comigo, agasalhada, mas sem abrigo.
E me lembro de uma música que nunca ouvi. Talvez não exista amor em São Paulo. O que sinto é um descompasso, parece que o coração tá no ritmo errado, correndo aos trancos, insistindo em bater aos solavancos.
Nada grave. Olho pela janela na busca de algum pedaço de beleza e tudo ao redor é concreto. A cidade é demasiadamente cinza.
Há barulho em excesso quando é silêncio o que peço.
A paisagem escancara o que sinto.
(28/11/19)
*
"E foste um difícil começo
Afasto o que não conheço
E quem vem de outro sonho feliz de cidade
Aprende depressa a chamar-te de realidade
Porque és o avesso do avesso do avesso do avesso." (Caetano Veloso)
Reli o texto algumas vezes e fiquei em dúvida se deveria publicá-lo. O tom dele é grave, soturno, quase amargo. Mas era o que eu sentia nos primeiros dias. O fato é que eu estava anestesiada. Os hormônios descontrolados, a mudança abrupta de clima, o excesso de intensidade. Foram momentos difíceis. O meu peito precisava de sossego. O coração pedia arrego, tamanho o descompasso. É impossível não pensar nas palavras de Caetano, pois ao cruzar as ruas dessa cidade infinda eu nada entendi. Tudo é novo, insuspeitado. Diferente, intrigante, apressado. Fico feliz de não ter caído na armadilha de Narciso; quebrei o espelho, evitando o meu naufrágio.
Pude me encantar. Não à primeira, nem à segunda vista.
São Paulo exige olhar desacostumado.
É preciso estar atento.
A cidade cinza vibra poesia
E de alguma forma a rima dela encontrou a minha.
Nenhum comentário:
Postar um comentário