quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

Belmonte

A cadeira de balanço na varanda, vovô assistindo tv na sala, a parede repleta de quadros e fotografias.
Acordar bem cedo e ser surpreendida com o cheiro do chá de capim limão fresco, colhido lá do quintal pela minha avó, acompanhado com um bem guardado pacote de bolachas sete capas. " É para minha filha", ela dizia. E prosseguia em seus afazeres, arrastando suas sandálias pela cozinha.
Não demorava muito para chegarem as visitas. Uma tia, um primo, um vizinho.
E ao adentrar aquela porta de alumínio e vidro, era possível ouvir o mais sincero e bonito "bom dia".
A casa quase sempre estava cheia, repleta de vozes, repartidas entre piadas e cantoria, acompanhadas de um violão, amor, risadas e poesia.

Ao anoitecer, o silêncio quase sempre reinava, só se interrompia pelo flanar do vento, pelo som dos carros, pelo barulho das cigarras. Eu, deitada na rede, fechava meus olhos. E contemplava. As luzes da cidade pequena ainda apagadas, as pessoas com suas cadeiras na calçada, tão alheias ao mundo e tão plenas de tudo. Era como sonhar acordada.
Junho era sinônimo de alegria. Alcanço daqui as bandeirolas coloridas que anunciavam as festas juninas. Sinto a madeira queimando, as chamas crepitando, mistura de fogueira com calor humano, me invadindo por dentro, me abraçando. O som da sanfona, zabumba e triângulo, mãos dadas, sorrisos estampados na cara, pés dançando. A música era só mais um pretexto para o encontro. Desconheço melhor descrição para a minha memória que essa: felicidade.
Sim, fui feliz e sabia. Carrego no olfato o cheiro de orvalho, a visão do céu mais estrelado, a pureza da vida simples e por isso mesmo mais rica. Eu vim de lá, do meio do mato.
Meu lar é no interior do sertão.
Trago ancorada no peito essa nostalgia sem jeito que tem até sotaque. 
Daquela casa de número 222, à beira da estrada, parti com muitas lembranças e poucas malas; mas deixei lá, sem pestanejar, um pedaço do meu coração. E muita, mas muita saudade.