quinta-feira, 23 de novembro de 2023

Eu me ouvi dizer em voz alta algo que jamais imaginaria: estou me sentindo adulta.
Pela primeira vez na vida.
Muitos dos meus pensamentos e reações eram movidos por sombras da minha infância. Uma menina que eu quase desconhecia e de quem eu sempre fugia (nas memórias e nas fotografias). Mal eu sabia que ela sempre estaria aqui.
Entender (e aceitar) essa companhia não foi fácil. 
O distanciamento era tamanho que eu não conseguia me compreender enquanto criança. Eu já me percebia adulta aos nove anos de idade. Olhar para aquela que todos chamavam de "menina madura"/ " garota precoce" me doía de um jeito que eu não alcançava. Eu estava em descompasso. Meu ritmo estava completamente errado.
Era óbvio que essa inversão doentia muito me custaria, porque crescer é inevitável. Muitas faltas foram ocupando espaço dentro de mim...e o meu movimento natural foi tentar preencher cada buraco. 
Nunca me dei a chance de aceitar os vazios que me inundavam porque eu tinha a impressão de que eram todos temporários.
Até vir um vazio definitivo. Demorou um tempo para que eu me desse conta disso. Não acreditava que aprenderia algo com o luto. Só sentia raiva, impotência, falta. Mas algo mudou. Não sei precisar a hora exata.

E lembro de uma experiência lisérgica que tive há um tempo: o som da sirene da ambulância imaginária cada vez mais perto, desespero, libertação, abandono do ego. 'Já que estou morrendo, vou morrer', pensei.
Quando desapeguei, finalmente despertei.

Só foi preciso abrir olhos. Enxergar a menina que me habita, abraçá-la e deixá-la ir. 

A mulher que me tornei tomou o posto. 
A menina está livre, enfim.